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Milton Cunha - Carnavalesco e Comentarista

Atualizado: 27 de jun.

Entrevista Milton Cunha, uma pessoa múltipla, contraditória e cheio de nuances


Milton Cunha - Carnavalesco e Comentarista

JCD: Defina quem é Milton Cunha.


MC: Eu não tenho definição, né? Eu sou uma pessoa múltipla, eu sou contraditório, eu sou cheio de nuances, então dizer uma definição: eu sou um estudioso, sou um folião, sou, então a definição é espiral, é mosaico, é estilhaço, é isso, eu sou cacos que eu vou juntando e organizando.


JCD: Você gostaria de voltar a ser carnavalesco de alguma escola?


MC: Eu não gostaria de voltar a ser carnavalesco porque o meu projeto era a televisão, o meu projeto era a comunicação. Então, antes do carnaval, eu sou ator, eu sou artista e eu quero falar a luz, a câmera, eu gosto disso. Então, pra voltar pra ser carnavalesco, eu teria que abandonar essa carreira de comunicador. Outra coisa é que eu viajo muito fazendo carnaval na Europa, né? Então, eu tô sempre metido com barracão, alegoria, eu não preciso do carnaval do Rio para ser carnavalesco, né? Isso eu faço em outros lugares e aí no Rio, no Brasil, eu quero a TV.


JCD: Como você vê o carnaval atual com os dos anos 80 e 90?


MC: O carnaval dos anos 80 era muito político, né? Você tem ali a vertente dos enredos críticos, tipo São Clemente, tipo, caprichosos de pilares, né? Derreteu a taça na maior cara de pau e tal. Nos anos 90, você tem o triunfo de Rosa Magalhães e da Imperatriz. São carnavais lindos, mas assim, o carnaval não é saudosista. A escola de samba não vive da tradição. Ela se renova, ela negocia a tensão da modernidade. Por isso é que toda essa questão de Paulo Barros, coreografias, Leandro Vieira, até longe Led, a nova iluminação, tudo isso é bem-vindo, porque a escola de samba não olha pra trás. Ela é um projeto sempre pra frente. O que é que ela faz de correto? Ela não deixa a modernidade apagar os valores dela. Ela tem valores, velha guarda, bateria, compositores, isso é inegociável e as baianas. Então, a modernidade é bem-vinda desde que ela não destrua o pavilhão, a porta-bandeira e o Mestre Sala.


JCD: Atualmente, para você, quem é o carnavalesco top dos top?


MC: A nova geração de carnavalescos é muito boa, por quê? Porque, além de serem muito estudados, preparados academicamente, são meninos que valorizam muito o aspecto comunitário da escola de samba. Então, Leandro Vieira, Gabriel Haddad, Leonardo Bora, Tarcísio Zanon são a nova geração ultra-respeitadora do cânone da escola, então é uma geração brilhante.


JCD: Você é formado em Psicologia, já pensou em ter seu consultório e atender pacientes?


MC: Eu não fiz psicologia para ter consultório,eu fiz para ter conhecimento a psicologia me ajuda muito no meu mundo.


Milton Cunha - Carnavalesco e Comentarista

JCD: No período de carnaval, você é comentarista dos desfiles, esse ritmo de sexta a segunda não te cansa? O que você faz para ter essa energia todas as noites?


MC: O trabalho de comentarista não me cansa porque eu olho tudo aquilo com olhos do menino encantado. Então tudo aquilo me seduz tanto que eu fico acordado. Aquilo dispara em mim um gatilho de prazer. Tem uma adrenalina ali, quando o diretor, o Boninho, diz: no ar. Aquilo, uau, no ar. Mais um carnaval está começando agora e nada vai ser igual ao que foi, né? Então é muito legal trabalhar com isso, ser empolgado com isso, eu não me canso. Eu durmo depois, mas durante os dias é muito espetacular, é muito, nossa, olha, eu estou no olho do furacão. Então, eu me preparo para ir às escolas de agosto até o dia do desfile, eu vivo aquilo, né? E aí, quando chega a hora, nossa, é a hora do casamento, a noiva está pronta para o altar, eu adoro.


JCD: Em uma entrevista você disse que seu maior desafio era sobreviver. Hoje você pode dizer que conseguiu sobreviver?


MC: A violência contra a criança viada é muito grande. Ninguém gosta da gente, nem o diretor do colégio, nem o padre, nem o vizinho, nem o pai, nem a mãe. Todo mundo não quer aquilo, então sobreviver é um projeto de solidão, né? Você está ali sozinho no exercício. Você vê que todo mundo queria que você fosse outra coisa. Aí você olha, olha, olha e diz: aí, deixa eu sobreviver com o que eu posso, com o que eu tenho. Então, é uma estratégia sobreviver no desamor, é uma forma de você encontrar em você forças pra ser quem você é, a tua verdade, a tua liberdade, né? Não dá pra negociar isso, que é o ar que você respira. Então, pra ser outro, prefiro a morte. E aí, como eu não prefiro a morte, eu vou sobreviver. A todo custo? Porque a não possibilidade de existir em plenitude como você é, isso é muito triste. Então, entra a tristeza e sobreviver e sobreviver.


JCD: Você ainda hoje sofre preconceito?


MC: O preconceito é um mecanismo de poder da classe dominante que diz, eu sou melhor que tu, eu sou hétero, eu sou branco, eu sou católico, eu estudei mais, eu me elegi mais, então parece que o preconceito é uma relação de quem estabelece a normalidade, você não é normal, eu sou, e aí fica essa luta, de que até hoje eles dizem, né, ah o viado. Ah, o preto. Ah, o cadeirante. Ah, o indígena. E eu também acho que o terceiro milênio, de 2000 pra cá, teve uma guinada da extrema-direita, do neo-pentecostal, muito forte em cima do diferente, do desviante. Então é... É... Sim, eu sofro preconceito. E eu meto o pé na porta, porque a rede social também deu pra gente um aquilombamento dos gays, dos LGBTQIA+, dos negros, dos cadeirantes. Tá todo mundo meio explodido.


JCD: Você é considerado um patrimônio nacional, como você vê esse amor do público?


MC: Então, isso me assombra. Isso me assombra porque eu só sou o menino que saiu de Pau de Arara de Belém. Então, quando eu tô no palco do Réveillon de Copacabana com mais de um milhão de pessoas me assistindo, isso me desperta um instinto de estrela aí e é aí que eu brilho mais, aí é que eu falo mais. Então, quando você me pergunta se eu tenho consciência do fã do amor, eu ouço o grito, eu ouço o aplauso. Isso desperta um artista em mim. Agora, isso não me distancia do meu público. Quanto mais eles gritam, quanto mais eles me aplaudem, mais eu quero abraçar eles. São um caminho de encontro, eu vou ao encontro. E eles sabem que eu sou humano, que eu sou muito parecido com todos eles, né? Porque só muda de endereço. A luta é a de todo brasileiro. Então, me considerar um patrimônio e tal, eu deixo pra lá. Eu não posso parar nisso, né? Porque o patrimônio ele é meio museu de observação. E eu não quero ser observado, eu quero ser vivido. Eu quero estar com eles no corpo a corpo, na gritaria. Então, o patrimônio que eu sou é um patrimônio que está ali andando do lado deles e tá ótimo. Então, desde que essas ideias de, ah, e o Milton, o patrimônio não me afaste das pessoas, porque aí não me interessa viver. Se for pra ficar num camarote, de ar refrigerado, eu não quero, eu quero é o abraço, a vida, porque as pessoas são muito interessantes, né? As senhoras do samba são muito minhas amigas, então eu quero estar rindo com elas, eu não quero estar longe.


JCD: Você tem vontade de voltar a sua terra natal? Belém?


MC: Belém é a pequena aldeia que é toda a minha formação, então eu volto a Belém muito com a Fafá de Belém, a Varanda de Nazaré, volto, trabalho, apresento, agora tô desenhando cenários pro Festival Aceita, também contratado do Governo do Estado, vou pro São João de Belém e tal, então Belém é o começo, Belém são os primeiros passos, então cada vez que eu desembarco em Paris, Roma, Tóquio, Londres, eu me lembro da minha Belém, né, eu digo nossa, chegou longe, que engraçado, então tendo noção da minha aldeia, dos meus valores, de quem eu sou, eu não me perco, eu não me perco em nenhuma cidade do mundo, né, então agora tô embarcando pra Alemanha, agora dia 19, vou fazer o carnaval da Alemanha, vou a Viena, Áustria, vou a Zurich, Suíça e vou a Munique, o carnaval de Munique e tudo isso serve pra me lembrar que eu só sou um menino caboclo ribeirinho da beira do igarapé nadando nas vitórias régias e desenhando estampas na areia, né, era assim que era minha infância, solitária, maravilhosa, as chuvas do Marajó eram impressionantes os búfalos, como eu amava, como eu amo tudo aquilo, orgulho do Pará de Belém de voltar lá, de ser querido, é bacana.


JCD: O que você detesta em um desfile de carnaval?


MC: Um desfile de carnaval, ele tem que ter a cara do artista popular. O carnaval, o desfile de escola de samba serve para que o compositor brilhe, a passista brilhe, o ritmista arrase. Então, o que eu detesto é quando eu não vejo os artistas populares da comunidade. Porque mesmo a estrela da TV Globo, a atriz, o ator, a capa de revista, têm que entender que ali é o território do artista popular. Então, você tem que pegar leve, porque quem tem que brilhar é a bandeira da escola, né? As escolas são soberanas. Você é um dos cinco mil componentes, então eu quero ver a cara da baiana, eu quero ver a cara da velha guarda, então não pode esconder isso. Isso eu detesto. A escola sem comunidade não me interessa.


JCD: Tem alguma escola preferida?


MC: Não tenho escola preferida, eu tenho assim algumas histórias, a minha gratidão é eterna a beija-flor, minha primeira escola que eu fiz, o Anísio, né, que me lançou no carnaval, eu adoro. É, que mais, União da Ilha, que é uma escola querida, solta pra cima, amada, então, mas assim, cada ano uma escola brilha, acontece, um ano é Viradouro, outro é imperatriz, então eu gosto de tudo isso, sabe, desse furdunço, dessa papagaiada.


Milton Cunha - Carnavalesco e Comentarista

JCD: Como seria o enredo da sua vida em uma escola de samba? Alguma já quis levar você para a avenida?


MC: Muita gente me convida pra ser enredo, mas eu não aceito. Muita escola me convida, eu digo, não, obrigado, não dá, tá, tá, tá, entendeu? Então, um enredo vai ser lá na frente, quando eu tiver 80, 90, vai ser alegre, bacana.


JCD: Quando você olha para trás e se vê no hoje, você pode concluir que você é um vencedor?


MC: Então, eu sou super devagar nessa questão de vencedor, de bem-sucedido, porque eu acho assim, vencedor, bem-sucedido é você com você, você é feliz, era o que você queria, porque tem muita gente vencedora, bem-sucedida, que não era o que queria ser, né? Então, assim, eu sou vencedor porque eu sou eu, eu sou confortável na minha pele, então, se vencedor, se bem-sucedido, é ser feliz. Ah, eu sou. Eu sou porque eu não abri mão. Eu cheguei inteiro, tudo que eu fiz eu tô lá inteiro, eu falo o que eu quero, eu sou do jeito que eu quero, então ser inteiro é ser um vencedor, estar Íntegro na parada é ser um vencedor e isso eu sou.


JCD: Você pode nos deixar uma mensagem?


MC: A mensagem é que só muda de endereço, todo mundo carrega seus fantasmas, todo mundo carrega suas correntes, uns ficam no fantasma, uns ficam na corrente, a esses eu digo, abandona, abandona, você é maior que a corrente, você é maior que o teu fantasma, deixa eles estarem aí, mas vai: avança, busca a tua felicidade, se realiza, não tenha medo, a escuridão, a dor, tudo que fizeram contigo isso não te define, o que te define é como você vai se posicionar para o teu futuro de bonança. Todo ser humano tem o brilho, todo ser humano pode, né? Então, é preciso dizer para as pessoas, você merece brilhar, você merece ser amado, você deve lutar pelo teu brilho. Então, a mensagem é: seja você único, maravilhoso, grande e aos outros restará aceitar. Aceita que dói menos, porque aqui está um ser humano brilhoso.


Entrevista - Luciana Perez


 

Milton Cunha - Carnavalesco e Comentarista

Entrevista Milton Cunha, uma pessoa múltipla, contraditória e cheio de nuances

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