A receita perfeita para transformar uma criança em um adulto ansioso e inseguro.
Você que acabou de ler o título desse artigo e pode ter pensado em quantas vezes você ouviu essa frase ou em quantas vezes você a repetiu insistentemente sem se dar conta que ela pode se tornar um caminho perfeito para uma saúde mental desequilibrada marcada por insegurança, baixa autoestima, medo e ansiedade na fase adulta.
Então vamos olhar melhor para essa realidade. Talvez você seja de uma geração em que seus pais ou os que ocupavam esse papel na sua criação e educação repetiam este discurso de forma natural sem imaginar que mesmo poderia ter grandes consequências e que simplesmente transformaria você numa pessoa mais responsável e dedicada aos estudos.
Como psicanalista, converso com muitas pessoas todos os dias e já me deparei com muitas que são ansiosas e que, mesmo na fase adulta, carregam o medo de decepcionar os pais não correspondendo às expectativas dos mesmos. Em muitos casos, trata-se da reprodução do medo e insegurança vividos quando crianças na fase escolar.
Mas como ou por que será que isso acontece? Veja esta situação criada para ilustrar um pouco do que muitas vezes acontece aí na sua casa ou com pessoas que você conhece.
A criança ou adolescente estuda para a realização das provas que se aproximam. Até aí tudo bem. Nada fora da normalidade de um comportamento responsável de quem sabe que precisa tirar boas notas e se orgulhar de suas conquistas. Mas existem outras situações que são aquelas em que os responsáveis cobram muito e, em alguns casos, as cobranças dão espaços para ameaças veladas de todos os tipos, que vão dos castigos até a retiradas do celular ou do video game. Pode parecer pouco ou nada de mais, mas os efeitos traduzidos em sintomas de uma saúde emocional desequilibrada não dizem isso.
Imagine como fica a cabeça de uma criança que estudou muito para conseguir tirar a nota 10 correspondendo assim a toda expectativa e cobrança que lhe foram feitas. Volta para casa feliz, cheia de orgulho e ansiosa para contar a novidade para aqueles que tanto cobraram e, em alguns casos, até ameaçaram. Chegando em casa toda sensação de vitória e orgulho se desfaz quando, ao invés de um elogio e reconhecimento, ouve a frase fria e dura “NÃO FEZ MAIS QUE SUA OBRIGAÇÃO”. Em certas situações a frase ainda chega com o complemento “NÃO TRABALHA E SÓ ESTUDA, ENTÃO TEM QUE TIRAR 10 SEMPRE”. Pronto, a decepção se instala junto com a insegurança, medo e sentimento de ingratidão. Afinal, ele atendeu, com louvor, ao pedido de quem tanto o cobrou.
Pense um pouco nos desdobramentos possíveis na mente dessa criança ou desse adolescente. Se eu tiro 10 e não sou reconhecido, valorizado ou elogiado por isso, o que pode acontecer quando essa nota não vier? É exatamente esta situação que abre o espaço para ansiedade e para o medo de voltar para casa e contar que dessa vez o dez não foi alcançado. A prova estava mais difícil do que o normal, o nervosismo fez com que alguma coisa fosse esquecida ou simplesmente não estava num bom dia que se refletiu na prova. São tantas as possibilidades. Mas uma coisa é certa, tal situação terá reflexos na vida emocional para sempre e a terapia entrará em cena em algum momento da vida.
Todos gostam de comemorar suas vitórias e conquistas. Querem se orgulhar e também orgulhar aqueles que fizeram parte do processo, mas esse responsável mata esse sentimento.
Se conselho fosse bom, seria vendido e não dado como diz o ditado. Não é minha pretensão dar conselhos, mas posso garantir que os consultórios estão lotados de adultos que sofreram na infância com situações como estas. Logo, comemore com seu filho as conquistas das boas notas e demonstre todo apoio quando a nota alta não vier. Seja solidário e inspire confiança. Dessa forma essa criança não terá medo de falar a verdade, não sofrerá com a ansiedade torturante de saber que a aula está terminando e que o retorno para casa está próximo. Não dará asas para a imaginação negativa do tipo, se tiro nota boa continuo sofrendo cobrança e ameaça velada do tipo “ai de você se não tirasse nota boa”, imagine se eu não for perfeito do jeito que eles querem. O interessante é que muitos desses responsáveis não foram perfeitos e apresentam hoje sintomas das cobranças que tanto sofreram quando jovens, mas sem perceberem reproduzem o mesmo modelo mantendo um círculo vicioso e que resultará numa saúde mental bastante debilitada daquele que tanto amam e querem bem. Os verdadeiros tesouros de suas vidas, seus filhos.
Pense nisso e até a próxima!
Sobre o autor
Tirou 10? Não fez mais que sua obrigação
Ricardo Gomes - Psicanalista e escritor
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